segunda-feira, março 06, 2006

 

Homem de poucas palavras

Jack atirou os papéis para cima da minha mesa.
As suas sobrancelhas por detrás dos aros dos seu óculos, traçavam uma linha recta.
- O que há de errado?
- perguntei.
Enfiando um dedo na proposta, ele disse:
- Na próxima vez que você desejar mudar alguma coisa, pergunte-me primeiro. E virou as costas afastando-se de mim, me deixando ardendo de raiva.
Como ousa tratar-me deste modo, pensei. Tinha simplesmente alterado uma frase e corrigido a gramática, algo que eu pensava ser paga para fazer. Certo era que já tinha sido avisada. Outras mulheres que tinham trabalhado no meu lugar anteriormente deram nomes a Jack que eu me escuso repetir. Um colega falou-me no meu primeiro dia que ele era pessoalmente responsável por duas secretárias terem saído da firma. Enquanto as semanas passavam, crescia o meu desprezo por Jack. As suas ações faziam com que eu me questionasse sériamente acerca do principio de "dar a outra face" ou "amar o meu inimigo". Jack jamais perdia uma oportunidade de insultar qualquer um que se atravessase no seu caminho. Decidi orar pela situação, mas para ser totalmente honesta, desejei, isso sim, colocar Jack em seu lugar, pois que estava demasiado longe de o conseguir amar.
Certo dia, depois de outro destes episódios, não piores ou melhores que os anteriores, entrei de rompante no seu escritório, preparada para perder o meu emprego se necessário, mas não sem antes fazer o homem saber como me sentia e o quanto ele tinha sido injusto.
Abri a porta e Jack olhou para mim um pouco por cima dos dos aros dos óculos.
- O que foi?
- perguntou bruscamente.
Eu sabia o que devia fazer. Afinal de contas, ele merecia isso.
Sentei-me do outro lado dele e disse o mais tranquilamente possivel:
- Jack, o modo como você me tem tratado está errado. Jamais alguém falou comigo deste modo. Profissionalmente o seu comportamento está errado, e eu não posso permitir que continue. Jack sorriu nervosamente e recostou-se na cadeira. Fechei meus olhos brevemente, pedindo a Deus que me ajudasse.
Jack respondeu:-
Quero fazer-lhe uma promessa. Doravante, serei um amigo. Tratá-la-ei como merece ser tratada. Com respeito e bondade, pois merece isso. Aliás, toda a gente merece.
Confesso que no momento me senti totalmente desconcertada.
Escorreguei para fora da cadeira e saí apressadamente da sala fechando a porta atrás de mim.
Jack evitou-me o resto da semana. As propostas, especificações e cartas apareciam em cima da minha mesa enquanto eu estava no almoço e minhas versões corrigidas não foram vistas novamente. Um dia decidi trazer biscoitos para o escritório e deixar um pacote sobre a secretária de Jack. Outro dia deixei um bilhete dizendo: "Espero que tenha um grande dia". Poucos dias depois, Jack reapareceu. Estava reservado, é certo, mas não existiram mais episódios desagradáveis.
Os meus colegas de trabalho interpelaram-me na hora do café, dizendo:
- Achamos que você conquistou o Jack!
Sacudi minha cabeça e respondi:
- Jack e eu tornámo-nos simplesmente amigos.
E a partir desse momento passei a recusar conversas sobre ele.
Cada vez que via Jack no corredor, sorria para ele. Afinal de contas, é isso o que amigos fazem. Um ano depois daquela nossa "conversa", descobri que tinha câncer de mama. Eu tinha trinta e dois anos, era mãe de três crianças jovens e lindas e estava assustada. As estatísticas não eram a meu favor, sobre as perspectivas de sobrevivência. Depois da minha cirurgia, amigos e amados me visitaram tentando proferir as palavras certas, mas a verdade é que ninguém sabia ao certo o que dizer, e muitos até disseram as coisas erradas.
Alguns choraram e tentei encorajá-los. Um dia, Jack apareceu na entrada do quarto de hospital. Cumprimentei-o com um sorriso. Ele caminhou até mim e sem proferir uma palavra, e colocou um embrulho ao meu lado. Dentro do embrulho repousavam vários bulbos.
- Tulipas
- ele disse. Eu dei um sorriso, sem entender.
Ele embaralhou os pés, limpou a garganta e disse:
- Se você os plantar quando voltar para casa, elas nascerão na Primavera.
E quero que você saiba uma coisa.
Que eu penso estar lá com você para vê-los quando brotarem.
Lágrimas cobriram meus olhos.
- Obrigado
- cochichei. Jack segurou a minha mão e respondeu:
- Por nada. Você não pode ver agora, mas na primavera você verá as cores que eu escolhi. Acho que serão do seu agrado. Ao dizer isto,virou-se e saiu.
Há dez anos, que eu vejo as tulipas vermelhas com manchas brancas brotando da terra em cada Primavera, e me lembro de que num determinado momento em que eu precisava das palavras certas, um homem de poucas palavras teve a sensibilidade de o fazer.
Afinal de contas, é justamente isso que amigos fazem.

Suzanne Eller





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